15 maio 2025

"A grave problemática da hibridação entre espécies de saguis em São José dos Campos. Há uma solução?", por Cleuton Lima Miranda

Aprendemos nas aulas de Ciências que a hibridação seria o cruzamento entre duas espécies próximas que daria origem a uma terceira espécie intermediária, chamada de híbrida, a qual seria infértil, ou seja, não poderia se reproduzir. Um exemplo clássico é o da mula que é proveniente do cruzamento entre a égua e o jumento. Mas será que existem apenas híbridos inférteis como as mulas? E se eu disser, estimado leitor, que híbridos na natureza são mais comuns do que pensamos? Vamos entender um pouco dessa questão utilizando os macacos e, principalmente, os saguis como exemplo?

Muitas espécies se distribuem pelos territórios e os seus limites de distribuição coincidem com o de espécies aparentadas, sem que existam barreiras geográficas, como rios e cadeias de montanhas, que possam separá-las completamente. Então, indivíduos de duas espécies se encontram e ocorre algo que chamamos de “faixa de hibridação natural”. O macaco-prego Sapajus libidinosus, que ocorre no Cerrado e Caatinga, se encontra com uma das espécies de macacos-prego da Mata Atlântica, Sapajus nigritus, no norte do estado de São Paulo, onde há híbridos das duas espécies.

Um exemplo diferente é o do sagui-da-serra-escuro, Callithrix aurita, que ocorre na região de São José dos Campos. O C. aurita se encontra com outra espécie próxima de sagui de ocorrência natural em Minas Gerais, o sagui-da-taquara, Callithrix flaviceps, gerando híbridos naturais e férteis.

Contudo, a hibridação não é apenas natural, pode também ser artificial, ou seja, causada pelo ser humano através da introdução de espécies alóctones (não nativas de uma determinada região). Um exemplo marcante foi a introdução do sagui-do-nordeste ou soim, Callithrix jacchus, na Floresta Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. A espécie introduzida se destaca em relação às nativas através da competição e hibridação, descaracterizando geneticamente as espécies nativas colocando-as em risco.

Outra possibilidade de hibridação artificial é a introdução de indivíduos de espécies de outras regiões através do tráfico de animais silvestres. Os animais muitas vezes são comercializados em feiras clandestinas ou vendidos diretamente e criados como “pets”. Como são animais silvestres e não se “adaptam” à rotina doméstica, muitas vezes são soltos em fragmentos ou manchas de matas onde já habitam espécies nativas, causando também hibridação e competição.

E em São José dos Campos? Em nosso município ocorre a espécie nativa e ameaçada, C. aurita (sagui-da-serra-escuro), mas também duas outras espécies, uma delas típica dos Cerrados do Brasil central, C. penicillata (mico-estrela) e a outra, C. jacchus (sagui-de-tufos-brancos), endêmica da Caatinga e da Mata Atlântica nordestina. Essas duas outras espécies chegaram à região de São José dos Campos através dos dois modos mencionados: tráfico de animais silvestres e proximidade geográfica devido à expansão de áreas degradadas antes recobertas por Mata Atlântica. As espécies estão hibridando (cruzando) em várias partes do município, tornando a situação da espécie nativa, já ameaçada de extinção devido à perda de habitat, ainda mais preocupante.

O que pode ser feito para resolver ou diminuir esse problema tão grave e crescente que implicará a médio e longo prazo no desaparecimento da espécie nativa em São José dos Campos? O primeiro passo já está em andamento: o mapeamento da ocorrência dos saguis no município (saguis nativos, híbridos e os de outras regiões). Trata-se de um projeto de 3 anos coordenado pela Secretaria de Urbanismo e Sustentabilidade (SEURBS) da prefeitura de São José dos Campos e pelo Centro de Conservação do Sagui-da-Serra (CCSS) da Universidade Federal de Viçosa, em parceria com Ecomuseu dos Campos de São José, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e Universidade do Vale do Paraíba.

Este projeto de mapeamento está em finalização e gerará um diagnóstico da situação, com os pontos críticos para ações que visem conservação dos saguis nativos e da biodiversidade regional. A segunda etapa deste projeto, que vai de 2024-2027, conta com a colaboração de todas as instituições citadas acima e atua com recursos do projeto “Ecomuseu dos Campos de São José: reflorestando a trilha do Callithrix aurita”, realizado pelo Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP) em parceria com a Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental. Com o diagnóstico em mãos, os pesquisadores do projeto trabalharão em três eixos: 1- captura das espécies alóctones (invasoras) e híbridos para esterilização, quarentena e soltura dos animais saudáveis no mesmo local de captura; 2- intervenções nos pontos críticos para os saguis (local com forte potencial para atropelamentos, eletrocussões em fios de alta tensão e animais isolados em manchas de matas muitos pequenas); e 3- a continuidade e aprofundamento de atividades de informação e sensibilização da população joseense e, principalmente, sua participação ativa nas ações necessárias para conservar o sagui-da-serra-escuro em São José dos Campos.

Seja um parceiro do projeto Ecomuseu dos Campos de São José: reflorestando a trilha do Callithrix aurita!

Um comentário:

  1. Alessandro Antunes da Silva27 maio, 2025 14:58

    Muito importante conseguir mudar a realidade do Callithrix aurita. Se a hibridização não parar podemos perder uma espécie. Parabéns pela matéria!

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